Uma
das grandes novidades que em breve entrarão em vigor com o advento do Novo
Código de Processo Civil - NCPC será a vedação ao pedido genérico de danos
morais. O tema já foi objeto de calorosas divergências doutrinárias e
jurisprudenciais e prevalecia a corrente que admitia o pedido genérico. O
legislador, por seu turno, acertou em abordar o tema, ante a necessidade de
resolver a questão e propiciar segurança jurídica. Todavia, a vedação ao pedido
genérico de danos morais pode não ser a solução mais acertada, em razão das
consequências práticas que gerará.
As
primeiras impressões sobre a inovação anunciam o fim daquilo que se
convencionou chamar de "indústria do dano moral" e dos pedidos
irresponsáveis1, muitas vezes atribuídos exclusivamente aos
advogados.
Como
o presente texto não tem a pretensão de aprofundar tecnicamente a questão, mas
sim de expor os primeiros impactos negativos para a advocacia e para o
jurisdicionado, descreveremos apenas sinteticamente como era e como ficará.
O
advogado, ao elaborar o pedido de compensação por dano moral, não era obrigado
a indicar o valor pretendido pelo seu cliente. Bastava o pedido de forma
genérica, deixando-se para o magistrado a fixação do valor2. Quando
o NCPC entrar em vigor, o advogado, obrigatoriamente, terá que informar ao
magistrado quanto o seu cliente pretende ganhar à guisa de compensação por dano
moral.
Abre-se
parênteses para dizer que em nossa militância na advocacia sempre preferimos
quantificar o pedido de dano moral, porquanto a determinação do pedido evitava
entraves posteriores, notadamente quanto à ocorrência ou não da sucumbência e,
via de consequência, do interesse recursal.
O
ponto preocupante não é a vedação ao pedido genérico de danos morais por si só,
mas as consequências que esta imposição acarretará na distribuição dos ônus
sucumbenciais.
Com
efeito, na sistemática antiga3 o fato de o magistrado fixar valor
aquém daquele que fora pleiteado não acarretaria a procedência em parte do
pedido e, portanto, não acarretaria a sucumbência recíproca. Já pela
sistemática que vem sendo atribuída ao NCPC, as consequências serão diferentes
e se a parte ganhar menos do que pediu será em parte sucumbente e terá que
custear proporcionalmente as custas e despesas processuais, bem como os
honorários advocatícios da parte contrária. Esse é o ponto preocupante!
Em
termos práticos e exemplificativos, pensemos no caso em que o jurisdicionado
pleiteia R$ 10.000,00 (dez mil reais) como compensação moral, em razão de ter
seu nome indevidamente incluído nos órgãos de proteção ao crédito. Ao
sentenciar, o magistrado entende que realmente restou configurado o dano moral,
porém, o valor para justa compensação não seria aquele pleiteado pelo autor,
mas sim R$ 5.000,00 (cinco mil reais). À luz do entendimento que vem sendo
extraído do NCPC, haverá sucumbência recíproca, vez que a parte demandante
ganhou apenas metade daquilo que pediu. Como consequência, a parte autora será
responsável pelo custeio de metade das custas e despesas processuais e deverá
pagar ao advogado da parte contrária os honorários de, no mínimo, R$ 500,00
(quinhentos reais).
Noutras
palavras: a parte que teve seu direito lesionado e obteve o reconhecimento
judicial da lesão terá que arcar proporcionalmente com os ônus da sucumbência.
Em termos práticos, a parte autora não ganhará R$ 5.000,00 (cinco mil reais),
vez que não terá o reembolso de metade das custas e despesas processuais (caso
tenha adiantado as ditas despesas) e poderá sofrer a dedução, do montante a
receber, dos honorários advocatícios da parte contrária.
Esse
prejuízo ocasionado pela sucumbência recíproca poderá assumir contornos maiores
ou menores a depender da distância entre o valor pleiteado e o valor concedido.
Em tese, a parte que obteve o reconhecimento judicial de ofensa à sua moral
poderá até ter mais prejuízos do que ganhos.
Como
se sabe, o ordenamento jurídico não adota o tabelamento para fixação da
compensação moral. Não há texto legal que informe ao operador do Direito quanto
o jurisdicionado deve ganhar para as mais variadas hipóteses de compensação
moral. Sim, há pequenos parâmetros jurisprudenciais, porém variáveis e sem
efeito vinculante, portanto, incapazes de propiciar segurança jurídica.
O
legislador tentou, entre 2008 e 2011, regulamentar o dano moral e sua
compensação, por meio do Projeto de Lei do Senado nº 334 de 2008, de autoria do
então Senador Valter Pereira. O texto do projeto era bem interessante, pois
descrevia diversas hipóteses de configuração do dano moral e fixava valores
mínimos e máximos para cada hipótese. Lamentavelmente, a proposição legislativa
foi rejeitada4.
Portanto,
podemos afirmar que o Poder Judiciário não possui critérios uniformes para
fixar valores de compensações morais. Basta uma rápida pesquisa jurisprudencial
para concluir que os valores variam. Para casos semelhantes podemos encontrar,
por exemplo, valores fixados entre R$ 3.000,00 e R$ 10.000,00. Então,
indaga-se: Quanto o jurisdicionado deverá pleitear?
Se
pleitear o valor mínimo apontado pela jurisprudência, o demandante correrá o
risco de ter a ação distribuída para determinado Juízo que tende a conceder valor
maior. E mesmo convicto de que o jurisdicionado deveria receber mais, o
magistrado estará vinculado ao pedido, não podendo conceder mais do que foi
pleiteado.
Noutro
passo, se o jurisdicionado adotar como parâmetro os maiores valores adotados
pela jurisprudência, correrá o risco de ter a ação distribuída para um
magistrado que concede valores menores e, lamentavelmente, terá que arcar em
parte com os ônus sucumbenciais, na medida de seu insucesso.
Ousa-se
desafiar a magistratura a eleger um caso típico de configuração do dano moral e
apontar um valor determinado para compensação que não divirja daquele fixado
por qualquer outro Juízo ou Tribunal do país. É evidente que o desafio não será
cumprido, vez que o ordenamento jurídico pátrio não informa ao operador do
Direito os valores certos para a fixação do dano moral.
Surge
então a pergunta: Se nem os magistrados são uniformes quanto aos valores justos
para compensação moral, como exigir do jurisdicionado (e via de consequência do
advogado) que se faça um pedido justo sob a ótica da magistratura?
Noutras
palavras: Como exigir do jurisdicionado e/ou seu advogado a precisão que nem
mesmo os magistrados possuem?
A
conclusão cômica (se não fosse trágica) é de que, a partir da vigência do NCPC,
o advogado terá que se aprofundar em ciências divinatórias. Isso mesmo! O
advogado terá que adivinhar quanto o Juízo (para o qual o feito judicial será
distribuído) entende como justo para fixação do dano moral. Se errar na
adivinhação o advogado prejudicará seu cliente, ora por pedir menos do que
deveria, ora por pedir mais do que deveria.
A
situação é totalmente diferente quando se cogita de reparação material que, por
sua natureza, permite a restauração do status
quo ante bellum. Nesse caso, se o demandante pede mais do que tem direito, é
justa a sucumbência recíproca, porquanto o pedido deve corresponder exatamente
à medida do prejuízo.
Quando
se cogita em dano moral, está-se a falar de um dano irreparável (que jamais
pode ser reparado, mas apenas compensado). A quantia fixada não visa a
restaurar o estado anterior das coisas, visa tão-somente compensar determinada
pessoa pela lesão que atingiu sua honra. A paga deferida como compensação moral
tem o escopo de "fazer um bem" em razão do mal sofrido. Já neste
caso, quando jurisdicionado entende que tem que receber mais do que o
magistrado lhe concedeu, revela-se injusta a imposição da sucumbência
recíproca.
É
evidente que em casos extremos, nos quais o pedido se revele muito acima do que
a jurisprudência vem adotando como razoável, revela-se justa a distribuição
proporcional dos ônus sucumbenciais.
Entretanto,
quando o demandante, na petição inicial, demonstrar que seu pedido determinado
de compensação moral tem amparo em vasta e contemporânea jurisprudência, a
fixação da compensação moral em valor aquém do almejado não deve importar em
sucumbência recíproca, pois do contrário estar-se-á admitindo a punição do
jurisdicionado em razão da deficiência legislativa e de entendimento entre os
órgãos judiciais, o que é inconstitucional ante a colisão com o princípio do
devido processo legal sob sua vertente substantiva (princípio da razoabilidade
das leis).
Não
nos parece que a conhecida "indústria do dano moral" é ocasionada por
suposta demanda irresponsável dos jurisdicionados e de seus advogados. O que
há, na realidade, é a banalização da dignidade humana, com a fixação de valores
cada vez menores para casos de dano moral, tudo isso sob o fraco argumento de
que se pretende evitar o enriquecimento sem causa. Ora, se houve lesão à honra
de determinada pessoa, a paga deferida como compensação moral jamais será sem
causa, vez que atrelada ao ilícito praticado e à lesão sofrida.
Ademais,
concluir que determinada pessoa enriquecerá sem causa ao receber, por exemplo,
cinco mil reais ao invés de três mil reais é conclusão temerária e que,
lamentavelmente, é vastamente encontrada na jurisprudência.
O
enriquecimento sem causa, na realidade, ocorre para aqueles empresários que
reiteradamente lesionam os direitos, por exemplo, de seus consumidores. Já
afirmamos noutros textos que é muito mais barato para o empresário pagar as
ínfimas indenizações fixadas pelo Poder Judiciário do que adequar seu modus operandi às exigências legais.
O
caráter punitivo, preventivo e pedagógico do dano moral, na realidade, não
ultrapassa o campo das idéias, não adentra ao campo prático, tanto é que as
empresas - outrora afirmadas por Ministro do STF como clientes preferenciais do
sistema judiciário - continuam, em larga escala, lesionando os direitos dos consumidores.
Pondo
a salvo as situações extremas, punir o demandante apenas porque se pediu mais
do que o magistrado entende que se tem direito, caminha na contramão da lógica,
do bom senso e da justiça social.
A
problemática da crescente demanda de ações judiciais deve ser resolvida com a
punição exemplar daquele que lesiona reiteradamente os direitos das pessoas, a
fim de desestimular a reincidência. Tentar resolver o problema desestimulando a
parte lesionada de buscar seus direitos, além de não se afigurar justo,
acarretará desordem social, configurando-se em verdadeiro desserviço
jurisdicional.
Em
conclusão, sugere-se aos operadores do Direito, notadamente aos magistrados,
que interpretem o NCPC à luz da Constituição Federal, como, aliás, é
expressamente determinado pelo artigo 1º do NCPC, bem como que observem o
parâmetro da razoabilidade apontado pelo artigo 8º do já mencionado Código,
para adotar o seguinte entendimento: Não
haverá sucumbência recíproca quando o magistrado fixar, para compensação moral,
valor inferior àquele pleiteado pelo autor, desde que o valor pedido tenha
vasto e contemporâneo amparo jurisprudencial5.
___________________
5 Sugere-se como contemporâneo
o acervo jurisprudencial composto por decisões que não tenham sido proferidas
há mais de três anos, bem como vasta a jurisprudência retratada por pelo menos
cinco decisões colegiadas proferidas pelo mesmo tribunal.